domingo, 27 de outubro de 2013

LILITH, A SERPENTE: O LADO ESCURO DA LUA

De: Sidneya Magaly Gaya 

Além de uma deusa proscrita, como a conhecemos, Lilith representa a cisão do feminino, tanto no nível individual como coletivamente, onde a liberdade, a instintividade e a expansão da consciência devem submeter-se à dominação eaos tabus vigentes. Sendo assim, tais buscas de evolução - naturais e atávicas - no campo da experiência humana, acabaram por ser reprimidas com violência, restando apenas a tais conteúdos a opção de atuarem nas sombras do inconsciente.

A Lua Negra ou Lilith, aparece em vários mitos. Sem dúvida, o mais conhecido é o judaico, que a coloca como a primeira mulher de Adão. Segundo consta,nasceu do mesmo material que seu companheiro; o pó da terra, sendo, assim,sua igual. Reclamou então seus direitos, afirmando serem os mesmos que os do parceiro, negando, desta forma, a supremacia masculina e recusando-se ainda aos papéis mais convencionais e submissos, como ficar sob o parceiro durante o ato sexual e a maternidade.

Foi assim que a deusa proferiu o inefável nome de Deus e fugiu do Paraíso.Adão recebeu então a submissa Eva; feita a partir de sua costela, e, portanto, conformando-se com a autoridade dele.


Outra variação do mito diz que Lilith habitava o Éden antes mesmo de Adão e que foi ela que o originou. Antes de estar plenamente desenvolvida,insurgiu-se contra a união de Adão e Eva, copulou com a Serpente e abandonou o Paraíso, havendo ainda a variação de ter ela própria se transformado em Serpente e chamado Adão e Eva à perdição.  

Após deixar o Éden, percorre, errante, caminhos sinistros, enlameados,interagindo com os demônios.

Deus mandou seus anjos que a chamassem de volta, mas Lilith recusou-se,dizendo ser tarde demais. Fez então um trato com os anjos de respeitar os locais guardados por seus nomes sagrados.

Lilith foi para o deserto, de terras vermelhas, e, mais tarde, subiu aos céus, onde tentou entrar encantada com os pequenos rostos, dos Querubins.Deus, porém, a expulsou, ordenando-a que voltasse à Terra, onde seria seu instrumento de punição, para seduzir mortais bem como assassinar crianças.Dizem, também, que no dia da Reconciliação, a deusa "guincha" em altos brados, para que seus gritos cheguem aos céus.

Para invocá-la ou neutralizá-la, os antigos habitantes da Tessália golpeavam caldeirões de bronze ou tocavam címbalos. Invocavam-na largamente para acalmar ou deliberar as energias sexuais, aumentar o desejo, o prazer, e diminuir a fertilidade. 

A Serpente, sempre presente, alude à antiga analogia do início dos tempos, ouroboros, a deusa-mãe, as profundezas fluidas do inconsciente, sobre as quais não temos controle algum e, tal como o próprio Zeus, devemosrespeitar. Sua fuga ao deserto vermelho é o próprio caminho de individuação,onde rompemos com tudo o que nos traz segurança, confiando apenas nasupremacia da mente, um movimento de separatividade e convicção interna, quecomo para Lilith, não pode ter retorno.

Como assassina de crianças, representa a capacidade e premência de estrangular a infantilidade e as ilusões sem fundamentos, em nome do amadurecimento. Seu potencial sedutor é o inconformismo, a revolta inerente à espécie humana que quer sempre mais, mesmo aquilo que não pode ter, os desejos gritantes, com seus ressentimentos, desesperos e auto-traições.  

Trata-se sempre da conexão com os desejos, os instintos, o lado sombrio davida, as armadilhas e o crescimento em que implicam. Segundo Jung, se odespertar da Lilith pode ser trágico para uma pessoa despreparada, é uma prerrogativa à individuação.

No Egito, correlaciona-se com a deusa Ísis, freqüentemente representada comcauda de serpente, soberana dos partos, do amor sensual, da morte e dosrenascimentos. Chamada "Rainha do Céu", esta deusa lunar era invocada nosritos de magia e feitiçaria. Com seu poder ímpar restituiu à vida seu irmãoe amante Osíris, morto no inferno por seu irmão-sombra Set.

Na Grécia, correlaciona-se com a deusa Hécate, soberana da magia lunar damorte e do nascimento, dos ritos mágicos, dos encantamentos e do destino.Com três faces, esta deusa está presente em cada fase, cada encruzilhada docaminho, desde os momentos de mais luz até os de mais escuridão, aumentandoo senso de convicção interna, o propósito ou a compulsão de seguir os próprios desejos e crenças, e a coragem de cortar com tudo a que nosvinculamos, em nome desta jornada.

Filha de Hera, foi testemunha direta e emocionalmente distanciada do raptode Perséfone, ainda na infância. Esta antiqüíssima divindade roubou de suamãe um pote de carmim; precisou então fugir de sua mãe que ficou furiosa.Deixou o Olimpo e foi para a Terra, assistiu um parto e tornou-se impura, precisando descer aos infernos para ser purificada. Nas regiões abissais,tornou-se Rainha e presidia os ritos de purificação e expiação. Tinha o poder de enviar demônios para atormentar a humanidade durante seus sonhos.Podia também negar ou conceder qualquer desejo aos mortais. Cérbero, o cãode três cabeças, guardião da porta do inferno, era seu animal de estimação eas Erínias (deusas do Destino), suas companheiras.

Os gregos colocavam suas estátuas nas encruzilhadas onde houvesse ocorridoum crime. A ela, também, a feiticeira Medéia rendia homenagem para purificar-se de seus delitos e receber proteção em sua jornada.

Essa deusa virgem é auto-erótica e tem ainda o dom de envenenar seusadversários, podendo castrá-los ou iniciá-los, conferindo poder ouestagnação. Com sua magia, toca de maneira singular na superfície e nas profundezas. Na maioria das vezes seus ritos encenados em nossas vidas sãoininteligíveis por nosso raciocínio.

Enquanto as deusas femininas presidem algum tipo de relacionamento, Lilithevoca a separação em nome do resgate e priorização das buscas individuais.Sua oposição a Eva nos sugere que sua sustentação depende somente de si mesma, seu fortalecimento, seus dons de magia e seu poder de co-criadora, jamais dos referenciais de relacionamento ou da submissão aos códigos externos. 

O resgate deste arquétipo é, portanto, o ponto crucial que nos acompanha não uma, mas várias vezes na vida, com seus momentos de desconexão com os parâmetros exteriores que em algum momento nos emprestaram segurança, anegação e a fuga destes parâmetros, a solidão e o desolamento a que nosremetem a experiência, a clarificação e a estruturação de nossos valores internos no deserto, e a reconquista de nosso poder e plenitude pessoais.

Fonte: Scribd       
   

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