“Deus é um círculo cujo centro está em todos os lugares e cuja circunferência não está em lugar nenhum”
(Hermes Trismegistus)
O mundo antigo abriga inúmeros mistérios, lendas, mitos e
testemunhos artísticos e arquitetôni-cos das civilizações perdidas. Tudo
isso está envolto nas brumas da ancestralidade e fascina o homem desde
sempre. Embora muitos livros já tenham sido escritos apresentando
versões variadas para buscar explicar essas culturas, e pesquisadores
tenham percorrido sítios arqueológicos para comprovar a ori-gem e datar
no tempo monumentos dessas civilizações da Antiguidade, eles continuam a
nos arrebatar a imaginação e a nos convidar para fazer reflexões mais
profundas sobre a origem e a história da nossa humanidade.
Dentre
tantos monumentos do mundo antigo, para nós ocidentais o enigma
arquitetônico mais famoso e intrigante é Stonehenge. O círculo, o
labirinto, é uma forma presente em todas as tradições e culturas, e esse
é um legado da tradição e cultura celta. Como toda cultura constitui um
todo indissociá vel, esse monumento demonstra que estamos todos
integrados no tempo; e que presente e passado são facetas de uma mesma
existência.
Os celtas nos deixaram uma mitologia de grande beleza
e uma tradição espiritual mágica cujas lendas magníficas contêm
inegável poder revelador e inspirador. A estrutura poderosa do círculo
de pedras de Stonhenge proporciona não apenas a visão do fato concreto,
mas também uma experiência subjetiva profunda de apreensão da essência
da cultura do povo celta.
Diante de monumentos dessa
grandiosidade, o transcendente se manifesta e revela a simbologia
sagrada da vida; o passado e o presente se unem; o racional e o
espiritual dialogam e, desse diálogo, nascem novos conceitos de
realidade e visões de mundo.
Nesse novo milênio, as alianças
entre sobrevivência e transcedência, mundo interior e mundo exterior,
serão o alicerce da construção de um homem melhor. As tradições
espirituais e a sabedoria contida nelas revelam a unidade na diversidade
do conhecimento e de todas as manifestações da vida.
No
Ocidente, Stonhenge é o monumento pré-histórico mais conhecido e
pesquisado, e é visitado por milhares de pessoas anualmente. Localizado
na planície de Salisbury, sul da Inglaterra, ele reina soberano na
paisagem descampada em místico isolamento.
Quando o visitante
avista o magnífico círculo formado por imponentes blocos de pedra cinza
chamada sarsen – um tipo de arenito muito duro -, sente a força e
envolvência do mistério que o monumento encerra. Os blocos de pedra
medem 4 metros de altura e são denominados menires; encimados pro
enormes pedras horizontais, dolmens, formam um enorme círculo contínuo
com aberturas regulares entre as pedras.
Diante da magnificência
do círculo sagrado, nos transportamos para um passado desconhecido,
porém pressentido, e sentimos o poder do dinamismo efetivo dos símbolos,
a imagem acolhedora da roda, do círculo, e percebemos como essa é uma
forma geométrica sagrada e atuante em nosso psi-quismo. Temos sede de
unidade. O círculo sagrado nos apresenta uma concepção unificante do
sentido da vida; por isso nos atrai tanto e provoca no peito um
sentimento reverente e, na mente, um alumbra-mento.
Stonehenge é
mais do que um monumento; é um símbolo e é um mito, e por isso se presta
às mais variadas interpretações e perspectivas. O mito permite o
afloramento de questões que pressu-põem atitudes diante da realidade, e
reorganiza nosso modo de ver e entender as coisas, nós mesmos e o mundo.
Por isso, Stonehenge instiga a imaginação e se apresenta como algo
destinado a se éter-nizar.
Quem primeiro se deteve para estudar o
monumento foi o clérigo Henry de Huntingdon que, por volta de 1130,
escreveu um livro sobre a história da Inglaterra, e incluiu Stonehenge
como incógnita histórica. Historiadores atribuem a idade de cinco mil
anos para o círculo de pedras, e os místicos e eso-téricos o consideram
uma obra erigida pelos atlantes.
De onde teriam vindo aqueles
blocos enormes, já que na planície não existem montanhas nem pedreiras?
Como teriam sido erguidas e por quem?
O nome Stonehenge
se origina de stan (pedra) e hencg (eixo), palavras do inglês arcaico.
Geoffrey de Monmouth corajosamente atribuiu a construção de Stonehenge
ao mítico mago Merlin, que magicamente teria transportado as pedras que
já existiam na Irlanda para Salisbury, por ordem de Aurélio Ambrósio,
tio do rei Arthur. A narrativa de Geoffrey teve enorme repercussão no
coração dos ingleses porque evocava o mago Merlin e a legendária
cavalaria arturiana, o patriotismo, as aventuras heróicas, a bravura e
principalmente o mistério.
O monumento também foi decifrado com
um marco erguido em homenagem aos britânicos indefesos massacrados pelos
brutais saxões. Depois, em 1620, o rei Jaime I visitou o monumento e
ordenou que se escavasse o local e buscasse a origem do círculo. A
região pertencia a Robert Newdyk, que recusou a proposta de compra que
lhe foi feita pela realeza, mas autorizou as escavações.
Muitos
pesquisadores elaboram teorias sobre Stonehenge; uns atribuíam a
construção aos Roma-nos, e outros aos escandinavos, que também têm
megálitos semelhantes, porém de tamanho menor.
Por volta de
1953, as pedras foram fotografadas, revelando o desenho de uma adaga
muito se-melhante às espadas da civilização micênica de 1500 a.C., na
Grécia. A descoberta de outros círculos de pedra no interior da
Grã-Bretanha e de antigos escritos romanos, conduziu os pesquisadores e
cientis-tas até os celtas e os druidas. A aproximação entre ciência e
tradição espiritual trouxe mais informação sobre o monumento.
Dizem
alguns estudiosos do esoterismo que os celtas remontam ao tempo em que
os deuses caminhavam sobre a Terra – a era dourada da humanidade.
O
escritor e pesquisador francês Robert Charroux, em o Livro dos Mundos
Esquecidos, afirma que os celtas irlandeses eram atlantes ali radicados
depois do afundamento de Poseidon, a última ilha de Atlântida. Os
atlantes que sobreviveram à catástrofe teriam se espalhado pelo mundo,
semeandos sua cultura, conhecimentos, artes, crenças e rituais místicos e
mágicos.
Segundo o mesmo autor, certo dia, os celtas receberam a
visita dos Tuatha Dé Danann, um povo maia quiche vindo de além-oceano
depois de ter sofrido uma grande derrota em seu território. Os Tuatha Dé
Danann tinham o mesmo tipo físico, os mesmos costumes, manifestações
artísticas e deuses dos celtas, e neles estariam reencontrando sua raiz
civilizatória. Os celtas os acolheram e com eles se mesclaram.
Os
Tuatha se diziam uma raça divina e seriam inicialmente originários da
Céltia, vindos de Atlântida. Essa afirmação se baseia em textos do Popol
Vuh, livro sagrado dos maias, no qual está escrito: “Eles estavam em
Há’kavitz quando os quatro chefes da migração desapareceram de forma
misteriosa. Embora bastante idosos e vindos de muito longe há já algum
tempo, não estavam doentes quando se despediram de seus filhos, dizendo
que a missão tinha sido cumprida e que regressavam à pátria.”
Outro
trecho diz: “A vossa casa não é aqui; é para além dos mares que
encontrareis as vossas montanhas e as vossas planícies. Sereis
protegidos por Belih (Bel) e pro Tot (Thot,Thor), deuses de civilizações
muitos antigas”.Bel, na Babilônia; Thot, no Egito; e Thor, para os
escandinavos e germanos.
Os celtas-atlantes seriam nossos
antepassados comuns, pois teriam colonizado todo globo. Como eles eram
grandes navegadores, mapearam os oceanos e o planeta, e se espalharam
pelo mundo. Da Pérsia, atual Irã , à Irlanda e àIbéria, e daí
continuaram e povoaram toda a bacia mediterrânea;a seguir foram para a
Índia e demais paises da Ásia. Depois, atravessaram o Atlântico e se
mesclaram aos autóctones americanos do norte e do sul. Eles também
teriam ido ao Pacífico Sul e povoado as ilhas da Micronésia e da
Polinésia, e constituído o mítoco império de Mu.
É evidente que
essa versão não é aceita pela história oficial, sendo considerada
fantasiosa; mas os arqueólogos e historiadores devem se sentir
desafiados pelas evidências. Os menires, os lingans (falos) da Índia, e
os megálitos de Filitosa e de Carbac, na França, os da Grã-Bretanha,
Alemanha, Rússia, Ásia, etc., são semelhantes aos de Tula, no México, de
Tiahuanaco, na Bolívia e Peru, da Ilha de Páscoa, Ilhas Marianas, das
Ilhas Guanches nas Canárias, Lampur, Senegal, Egito e outros. A pirâmide
de Carnac, conhecida como túmulo de Saint Michel, e a de Plouézoch, na
Bretanha, são semelhantes às pirâmides maias em Monte Albán, obedecendo à
mesma arquitetura.
Esses e outros indícios, ainda envoltos em
mistério, podem ser desvendados desde que os pesquisadores ousem rever a
história oficial sem medo, e não se acomodem ao conhecido e referendo
pela maioria.
Os Druidas são os servidores da Deusa, a
Grande Mãe, e detentores da sabedoria sagrada dos celtas. Eles eram os
cientistas e os mestres espirituais desse povo. Eles eram homens magos
que dedicavam suas vidas a louvar a fecundidade da Terra e a promover a
evolução humana e cósmica pelo diálogo da alma com o planeta e o cosmos.
Esses sacerdotes viviam um polisteísmo singular e cheio de paradoxos.
O
deus supremo dos celtas era o Dis Pater, que não podia ser conhecido
nem sequer invocado. A mitologia celta tem nos seus demais deuses
manifestações arquetípicas desses deus inominável. Cernunus, filho e
consorte da Deusa, a insemina e é parido por ela. Lug, o herói mestre de
todas as artes, Esus, Taran, Teutatés, Belinus e outros tantos, são
aspectos desse Dis Pater e instrumentos de sua atuação efetiva na vida. A
contraparte feminina do Dis Pater é tão inominável e abstrata quanto
ele, mas no plano material é chamada Dé-Meter (Terra Mãe).
Dé-Meter
é a raiz de Demeter, deusa da Grécia; também é o princípio feminino
Morrigan, a Morgana dos celtas; Don para os russos;e Dana, a Senhora
Rainha da Estrela Sírius, outro nome de Ísis para os Tuatha, ou Ana. Os
irlandeses chamavam-na Danu. Dan é uma palavra céltica, e está presente
na composição de muitos nomes arianos, escandinavos e eslavos. Por
exemplo: Danmark (Dinamarca), Dan ou Wodan (Odin, deus da mitologia
escandinava), e também dos germanos e dos citas. A tribo de Dan, à qual
pertencia Sansão, para alguns era formada por uma aliança
celto-hebraica.
Os druidas eram sacerdotes iniciados na sabedoria
da natureza e afirmavam – assim como faziam os sacerdotes maias e incas
– que eram descendentes do deus dos mares, de quem tinham aprendido a
ciência e a sabedoria. Eles acreditavam na eternidade da energia da
matéria, na eternidade do espírito e na metempsicose.
Para os
celtas, a manifestação da vontade do inominável e desconhecido cria a
vida e se experssa em três círculos: abred, o círculo interior, onde
pulsa o gérmen de todas as coisas;o gwenved (círculo do centro da
beatitude); e o Keugant, o círculo exterior, onde somente Deus se
encontra. Acreditavam em cinco elementos de sustentação da vida : Kalas
(a Terra, a emanação de Dé-Mater); gwyar (a hmildade); fun (o ar); uvel
(fogo, luz, calor); nwyvre (emanação do espírito de Dis Pater). Da união
da emanação do espírito de Dis Pater e Dé-Mater com os demais elementos
surge a vida.
Os druidas não tinham templos e oficiavam
no altar da natureza, em especial nos bosques e junto a uma árvore
consagrada : o carvalho. Na lunação adequada, utilizavam uma pequena
foice de ouro para extrair o visco do carvalho, um musgo com poderes
curativos do corpo físico e do corpo astral, dotado de elementos
transmutadores de desequilíbrios e fortalecedores do sistema
imunológico. Esse era um ritual permitido somente aos druidas. Do visco
(visgo) era feita uma poção que, depois de pronta, era servida aos
membros da comunidade.
Eles conheciam poções para soluções de
males físicos e espirituais, feitas com misturas de raízes, ervas
resinas e minerais. Os druidas eram grandes alquimistas e conhecedores
da linguagem das estrelas, sendo Stonehenge para eles um observatório
solar e um ponto de convergência das energias cósmicas e um catalisador
de energias curativas.
A Deusa era adorada em todas as formas da
natureza. Os druidas também eram profundos conhecedores das energias
telúricas. As ondas de energia que circulam no interior da Mãe-Terra e
pulsam nas entranhas do planeta eram chamadas as “veias do dragão”, e a
bruma, a sua respiração. Eles eram estudiosos do céu e harmonizavam os
sinais terrestres e celestes para definir caminhos e ações. Tinham uma
relação orgânica com o universo e com a Mãe-Terra. Eles se guiavam pelo
Sol e pela Lua na contagem do tempo orientador para o plantio e
colheita, e para a elaboração do calendário.
Recentemente,
astrofísicos e estudiosos da nossa estrela-mãe, o Sol, estudando
Stonehenge, obtiveram novas informações sobre as pulsações e explosões
solares, desvendando no monumento alguns conhecimentos adquiridos pelos
antigos celtas.
Os druidas da Irlanda eram considerados da mão
esquerda, ou seja, feiticeiros que utilizavam a manipulação das energias
naturais em benefício próprio e praticavam sacrifícios humanos. Os
druidas da Bretanha, Escócia e da Inglaterra são considerados os
verdadeiros herdeiros da sabedoria celta e servidores de Dis Pater e
Dé-Mater.
O declínio dos celtas e druidas tem início com a
invasão romana. Os romanos atacaram o País de Gales no ano 61 d.C., e
muitos dos nobres galeses eram anti-romanos e resistiram bravamente; com
a ajuda do povo e dos druidas, lutaram contra a invasão, mas sofreram
terrível derrota.
Com a cristianização, o druidismo que
restou foi perseguido, e à medida que o Cristianismo se firmava, foram
desaparecendo os rituais e festivais sagrados. Os druidas forma
considerados um mal a ser extirpado e suas práticas religiosas vistas
como nefastas e demoníacas.
No século 18, aconteceu o
renascimento dos druidas e da cultura dos celtas. Foi quando estudiosos
da Antiguidade e nacionalistas galeses trouxeram de volta suas origens
célticas e o interesse pela sabedoria dos druidas, visando restaurar a
memória cultural e a identidade nacional.
Os druidas, as
sacerdotisas, os bardos, os poetas e os harpistas celtas permeiam as
lendas inglesas e encantam milhares de pessoas pelomundo afora. As
lendas narram os amores, desafios e feitos dos cavaleiros. O seu
principal símbolo é a espada sagrada chamada Excalibur, a espada da
reconstrução do Bem.
Segundo as narrativas, o jovem Arthur,
nascido pela vontade da Deusa para liderar, seria o rei que traria paz e
prosperidade ao povo. O menino foi concedido por Igraine, sacerdotisa
da Deusa de Avalon, e criado por Merlin, o mago. Arthur recebe de Merlin
ensinamentos morais e marciais, e sua pureza de coração e intenção
justa o autorizam a ser o único capaz de retirar da pedra onde está
incrustada a espada mágica, presente da Senhora do Lago, a grande
sacerdotisa de Deusa.
Empunhando Excalibur, Arthur inicia um novo
ciclo de evolução sobra a Terra, e não somente sobre Avalon. Cria uma
nova ordem e constrói Camelot, o castelo onde os famosos doze cavaleiros
se reuniam em torno da Távola Redonda para comungar de valores,
façanhas e sonhos. Lenda e realidade se misturam e o poder político e o
poder espiritual são parceiros nas narrativas arturianas. Recentemente,
historiadores localizaram o que consideram ser o túmulo do mítico rei
Arthur.
Atualmente, muitos são os adeptos do druidismo espalhados
pelos diversos países, e os modernos druidas reivindicam o acesso a
Stronehenge para se reunir por ocasião dos solstícios de inverno e de
verão, e reviver as práticas das quais se consideram legítimos
herdeiros.
A estação de semeadura que precede o inverno, bem como
o início da primavera e, finalmente, todos os solstícios, erma marcados
por comemorações. O nascer do dia, a chegada da noite, as lunações e a
chuva fecundante, eram recebidos como dádivas pelos celtas-druidas, e os
atuais seguidores gostariam de poder se reabastecer na memória sagrada
que vibra e emana de cada menir no círculo de Stonehenge.
As
autoridades britânicas impedem a entrada no círculo sagrado argumentando
que a manutenção da integridade do monumento estaria ameaçada. Que
quiser visitar o círculo sagrado dos celtas, terá de ser contentar com
uma observação distante.
Se os celtas são realmente nossos
antepassados, unificadores da cultura planetária, é algo a ser
comprovado pelos cientistas e historiadores. Mas Stonehenge é, sem
dúvida, uma mandala de integração e um monumento da humanidade que nos
remete ao limite do que seja finito e cognoscível. Nele, a iminência do
sagrado expressa uma realidade transcendente, compartilhada por todas as
raças e culturas reunidas em torno do Mistério.
Marilu
Martinelli é jornalista, escritora educadora, professora de mitologia,
consultora para Formação do Educador em Valores Humanos.n
(Revista Sexto Sentido nº 48 – pág. 12.)